sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Parente serpente: O nepotismo está no sangue!


A palavra nepotismo é originária do latim nepos (neto, parente). O uso desta palavra no cenário político nos remete ao papado. Usada para indicar a política facilitadora do Papa para com seus parentes e os privilégios por eles ganho. Assim, vimos que esta praga da nossa sociedade, não é exclusivamente brasileira, muito menos coisa da política moderna. Em algumas leituras sobre o comportamento do povo brasileiro e estando em voga a aprovação da lei federal que proíbe tal prática no Senado, arrisco, nas próximas linhas, uma tentativa de entender o porquê dessa prática ser tão popular até os dias de hoje.
Não precisamos ir muito longe para encontrarmos esta prática, tão comum aos nossos olhos. Faz parte de um conjunto de comportamentos chamados de “jeitinho brasileiro para a vida”. Uma espécie de kit com artimanhas, nato de nosso povo, que nos ajuda sempre quando estamos em situações adversas. O nepotismo é aquela velha história de puxar a brasa para a nossa sardinha. Se tivermos como fazer, porque não fazê-lo?A herança colonial do catolicismo molenga, das relações entre “cumpadis” e “cumadis” ainda é muito forte em nossa sociedade, refletindo diretamente estas relações na política nacional. Diferentemente do protestantismo individualista, cujo a norma são para todas, ao menos para a maioria, e difíceis de serem burladas pelo “jeitinho anglo-saxônico”, se é que ele exista.
A sociedade brasileira é extremamente uma sociedade relacional, o que não é novidade para muitos. Esta visão comportamental dos brasileiros, já foi mostrada por vários estudiosos da área, como Gilberto Freyre, Buarque de Holanda e Roberto DaMata em seu “A casa & a rua”, obra fundamental para se entender estes aspectos sócio-culturais de nosso país. O autor adota a perspectiva de análise a partir de três espaços, que para ele, são interligados e fundamentais para nos explicar este comportamento relacional e suas éticas. Estes espaços são: a casa; a rua e o chamado “outro mundo”. Daremos mais importância para os dois primeiros, que efetivamente explicam a prática de “puxar a brasa”.
As éticas entre a casa e a rua são opostas, mas dependentes entre si. Não que somos falsos por nós termos duas éticas, mas influenciáveis no meio em que nos encontramos. A ética da rua é aquela indiferente, para todos, sem distinção de etnia, sexo ou religião. O exemplo mais forte deste modo de vida é o Estado. Como poder soberano, em teoria, deve atender à todos que dele dependem. Deve ser um poder cego e frio. Na rua somos apenas número, mais um entre as milhares de pessoas que passam por nós todos os dias, que devem cumprir seus deveres com a sociedade e quando precisar, apelar pelos seus direitos. Isto, na teoria, é para qualquer cidadão.
Em um ambiente familiar como o da casa, somos indivíduos, porém não mais número como na rua e sim pessoas com voz. Estamos à vontade em nossa casa, fazemos o que bem quisermos, comemos o que tivermos vontade de comer, apenas abrir a porta da geladeira. Trazemos para nossa casa nossos convidados, que mesmo não sendo de sangue, já os consideramos “de casa”. Considerados de casa, nossos compadres e comadres poderão usufruir das regalias oferecidas por nós, em nossa residência. É mais fácil ajudarmos alguém conhecido, que um estranho, da rua. Devemos atentar para este mecanismo acima explicado da casa com a rua. É esta a dinâmica que nos explicará o porquê do nepotismo na política, assim como no nosso dia-a-dia.
Há tempos o assunto do nepotismo volta à tona no cenário político brasileiro. Estamos a séculos tentando cortar este mal pela raiz, mas sem muito sucesso. Nas últimas semanas tenho acompanhado a tramitação da lei federal que proíbe esta prática no Senado. Onde nossos queridos senadores, nem todos, usam e abusam desta tradição enraizada na cultura brasileira. Podemos até admitir,sem exageros, que o nepotismo é um dos pilares dessa política. Como já era de se prever, os Excelentíssimos Senadores não aprovaram de “primeira” por acharem vários problemas na formulação de tal lei. Cá entre nós, conversa para boi dormir!Estão levando em “banho Maria” para que mais cedo ou mais tarde caia no esquecimento popular, coisa que não é muito difícil de se realizar. Enfim, nossos nobres políticos levaram seus parentes, suas relações da casa para o planalto. O espaço familiar, aconchegante invade à 500 anos a rua, que não deveria, ressaltando a teoria, oferecer favores para os “compadres”.
A legítima casa da mãe Joana!