Retirado de: www.mozartls.blogspot.com
Faltava esse livro no Rio Grande do Sul. Não que tudo o que está dito na obra seja novidade, não o é por certo, sobretudo para os historiadores. Mas esse livro de Juremir Machado da Silva, que promete muita polêmica, é, realmente, um bom guia para aqueles que detestam o romantismo tolo e infame dos criadores de mitos sociais. História Regional da Infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras (ou como se produzem os imaginários), publicado pela L&PM, trata da desconstrução dos mitos que sustentam o imaginário heroico farroupilha e do próprio tradicionalismo sulista. Livro obrigatório nas bibliotecas das escolas e leitura profícua para os implementadores de políticas educacionais no Estado que, muitas vezes, tratam a história do Rio Grande do Sul ou mesmo o tradicionalismo de forma ingênua e acrítica. É lugar comum entre os pesquisadores profissionais os meandros da criação dos mitos regionais: a invenção do gaúcho, as formas de legitimação das histórias míticas acerca da identidade do sul do Brasil, do açorianismo como traço identitário, a ode e os mitos sobre a inexistência de escravos nas regiões de imigração, a democracia pampiana com sua horizontalidade social e assim por diante. Autores importantes, mas ignorados pela grande mídia e pelos promotores de políticas educacionais,Ruben Oliven, Tau Golin, Mário Maestri, Décio Freitas, entre outros, já apontaram em diversas obras como a história oficialesca do estado tem se comportado frente a temas políticos estratégicos, como é o caso da ancoragem da identidade sulista na Revolução Farroupilha, etc,...
Mas esse livro de Juremir carrega consigo o peso de um autor midiático que é, também, um pesquisador profissional, um acadêmico conhecido e cercado por polêmicas também conhecidas. Desde o começo da leitura do livro algo importante é evidenciado. A Pesquisa é ancorada em fontes documentais precisas, não se trata de um ensaio, mas de um texto bem escrito e lastreado pelo espírito investigativo.
O livro mostra com clareza a corrupção entre os líderes da Revolução Farroupilha, o financiamento da campanha a partir da venda de escravos, as traições, entre muitíssimos outros exemplos. Nada de heróis, pouco espírito republicano, nenhum homem saiu com a moral ilibada do evento. Um evento fratricida, como também o foi a Revolução Federalista de 1893, que nada deveria orgulhar uma sociedade. O mundo real, efetivamente. Tudo isso que deveria ser ensinado nas escolas, mas é subtraído por versões romantizadas e doutrinárias, produzidas por diletantes e ideólogos e, pior, distribuídas gratuitamente nas escolas do Estado e adotadas passivamente nos currículos.
A publicação desse livro de Juremir, no entanto, não significa que a partir de agora as coisas serão diferentes. Penso que a indiferença e a precariedade cultural em que vivemos não nos fará sensíveis a infâmia de nossa História Regional. Penso que continuaremos consumindo e ensinando nas escolas uma História anedótica dos heróis, da tradição e por aí vai, no melhor estilo do fascio, com as louváveis exceções, claro. Rubem Oliven, na obra A parte e o Todo, nos mostra um exemplo esclarecedor de como as identidades e as tradições são inventadas, forjadas e até ingenuamente legitimadas, que ilustra esse ceticismo. Trata-se de um poema épico finlandês, intitulado Kalevala, publicado no século XIX, a partir do qual se forjava o folclore e a identidade finlandesas. Mesmo depois de os folcloristas, os intelectuais e, claro, o povo, saberem que se tratava de um poema inventado recentemente e não um épico, portanto, um engodo, preferiram acreditar na sua veracidade. Continuaram a considerar Kalevala um lastro imemorial da identidade da Finlândia. É isso, entre a história e o mito há uma tênue fronteira. É preciso levar a sério a História e aprender com ela, não usá-la como figurino da farsa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário