terça-feira, 31 de janeiro de 2012

ENTRE A BANDEIRA E A CRUZ: A ANÁLISE DE DUAS CULTURAS

MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.

*Caroline Greiner e Rafael de Brito


América. Um continente, tanta diversidade. Como entendê-las? Esse é o esforço do ensaísta gaúcho Viana Moog em seus trabalhos. Clodomir Viana Moog nasceu no município de São Leopoldo no Rio grande do Sul. Foi advogado, jornalista, romancista, biógrafo e ensaísta. Ao buscar entender o próprio Brasil, Moog não nos compara com os modelos europeus de sociedade e sim, faz um exercício crítico de comparar a América e suas diferenças, pela própria América. Em sua obra “Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre duas culturas”, lançado no ano de 1954, faz um exercício de reflexão para entender tanto o comportamento brasileiro e suas relações sociais quanto a sociedade norte-americana .

O autor, neste seu estudo não faz aquele velho discurso maniqueísta apontando o Brasil como o primo pobre, de matriz lusitana, que ainda sofre com as desigualdades em contraste com “o primo rico” do norte, industrializado e com um exemplo de civilização a ser seguido ou tomado como um modelo para o nosso futuro. Ele aponta os fracassos e as virtudes destes dois países e faz um paralelo muito interessante entre essas duas culturas. Isso não nos quer dizer que há superioridade racial dos norte-americanos, comparados com nós. Pelo contrário, Viana Moog esforça-se para mostrar que as diferenças entre as duas sociedades analisadas estão fora da discussão biológica e sim na cultura, religião; economia e ambiente.

Um ponto interessante da obra é tentar compreender a grande aceitação das teorias raciais do final do século XIX e início do século XX em nosso país, o que é estranho na opinião do autor, um dos povos mais miscigenados do mundo ter preconceito contra a sua própria constituição racial. Quando comparado com os Estados Unidos, nota-se que lá essas teorias raciais não foram aceitas com tanta intensidade quanto aqui no Brasil. No entanto, isso não faz com que os norte-americanos sejam menos racistas que os brasileiros. Mantiveram-se “puros”, fechados em suas comunidades, tornando-se hostis aos de fora e nós, por mais miscigenados que somos, por incrível que pareça buscamos durante décadas chegar à uma pureza utópica.

Na composição da obra, Moog abre mão de estudos geográficos, antropológicos e históricos para compreender nossas diferenças e nossas semelhanças. Não nos enganamos quanto ao rompimento com o velho mundo e os velhos ideais, é lá, que para o autor está grande parte dessas explicações. Na Inglaterra, para os puritanos quem dita as regras é Deus, em Portugal, o espírito aventureiro. Partimos dessas duas premissas para explicar um pouco a análise do autor.

Para entendermos uma parte do pensamento norte-americano, temos que entender os tripulantes do navio MayFlower, os chamados Pioneiros. Primeiros colonizadores da Nova Inglaterra. Calvinistas, saíram de lá expulsos pela perseguição religiosa da Igreja Anglicana e ao partirem em 1620, rumo ao novo mundo, trouxeram consigo comportamentos muito presentes, ainda, na sociedade americana. Mesmo com o passar do tempo, a globalização e cada vez mais a convicção de vivermos na famosa “aldeia global” não foi possível diluir totalmente o pensamento daqueles “peregrinos” que embarcaram do porto de Southampton no início do século XVII. Com a Bíblia debaixo do braço, junto com suas famílias, os Pioneiros partiram com a certeza que não voltariam e que daquele momento em diante deveriam contar com sua fé e sua comunidade. Ao chegarem, com suas famílias, reuniram-se em comunidades e encontraram um terreno e uma temperatura que exigiria poucas mudanças.

Os portugueses quando saíram, a causa foi econômica, principalmente com o surgimento das rotas marítimas rumo às Índias. Tratando-se de colonização, mais especificadamente a do Brasil, ela foi desordenada e variada. Uns viriam pela fé e para expandir o Império dos Céus, outros, apenas de ouro. Eis que surge a figura do Bandeirante como o mito fundador brasileiro, assim como o Pioneiro do MayFlower. Serão estas duas figuras – o Bandeirante e o Pioneiro – contrastadas nas análises, como símbolos em que o Brasil e os Estados Unidos se apóiam para explicar uma origem comum aos seus cidadãos.

A figura do Pioneiro vai ser utilizada como um exemplo a ser seguido, um tipo ideal, para a ética protestante . Para ele, o trabalho e as conquistas são bênçãos de Deus. Quanto mais trabalho e mais próspero se fica, mais abençoado pelo Senhor você está. “O trabalho dignifica o Homem” é o mote do cidadão norte-americano. Lá, houve uma colonização ordeira, onde quem avançava as novas terras eram as comunidades ou o núcleo familiar. Daí o comportamento comunitário dos norte-americanos. O gosto por decidir tudo em comunidade, em convenções. As casas sem cerca, sempre abertas aos seus vizinhos. Na visão de Viana Moog, o norte-americano importa-se mais com as aparências em sua comunidade, do que com a própria família. À sua comunidade, cabe ressaltar. Porém, esse ‘bairrismo’ os torna bastante isolados e desconfiados dos outros. No Brasil, os homens com seu espírito de aventura atreviam-se por essas terras, sozinhos, iniciando o processo de miscigenação do povo brasileiro visto por muito tempo como o maior de nossos males. Este espírito de aventura, fez com que os primeiros colonizadores do nosso país não fincassem raízes por aqui. Tinha-se a concepção que sua permanência na colônia era passageira, voltando rico a Portugal quando achasse o El Dourado. Aos que aqui chegaram a esperança do retorno à terra natal e a ausência de instituições sólidas, como a família, traçou nosso perfil individualista, pouco preocupados com as questões sociais. Antes as minhas coisas, depois os outros.

Vários fatores foram utilizados pelo autor como análise comparativa entre os dois países já citados ao longo desta resenha. Inicialmente Moog analisa o relevo de Brasil e EUA: o primeiro de relevo plano e sem oferecer impedimentos a quem quiser adentrar seu vasto território; o segundo com altas montanhas, matas densas e selva perigosa, dificultando o acesso de quem quer que fosse habitar suas terras. Depois os rios entram na discussão: o São Francisco é melhor que o Amazonas; EUA tem rios e lagos que se interligam entre si facilitando o acesso de um estado para outro; o Brasil é pobre de rios e lagos, nem para a agricultura diz-se que não poderiam ser usados. O clima norte-americano possui temperaturas bem definidas, aqui no Brasil é verão sempre. A verdadeira utilização dos rios brasileiros se dará apenas no século XX, para a produção de energia elétrica, devido ao seu relevo acidentado.

Passa-se ainda pela Idade Média, relembrando a questão de judeu e da prática da usura. De como, naquele período ser pobre, desprovido de bens, era sinônimo de estar mais perto de Deus e do Céu. O fator progresso só pode ser gerado por vontade divina, pensamento regido pela Igreja Católica, grande influenciadora do pensamento do homem, momento da História, em que a racionalidade não fazia parte das concepções dos homens de bem. Ser comerciante era sinônimo de perigo e a propriedade até poderia ser privada, contando que distribuída entre o maior número de pessoas possíveis. A usura era mal vista, motivo de todos os males dentro de uma sociedade.

Ainda entra-se no questionamento se o Protestantismo e o Calvinismo realmente influenciaram o capitalismo e a segregação racial. Doutrinariamente falando, para o Calvinismo, pobreza é sinal de ociosidade. Comparando com o Catolicismo, em que a pobreza regenera a alma, até que ponto as religiões influenciaram o progresso dentro das sociedades. Muito das concepções religiosas explicam certos comportamentos em relação ao progresso. Para Calvinistas e Protestantes o mundo foi feito para os eleitos e puros que tem por ordem acabar com os condenados e pecadores, legitimando assim o racismo dentro das sociedades de fundamentação ligada a essas religiões. Então, analisando por esse lado, o progresso dos EUA não se deve apenas ao carvão, e sim, à religião e à cultura. Não que os católicos não sejam racistas. O autor ‘peca’ nessa questão quando afirma que no Brasil o racismo é quase nulo, comparado com os Estados Unidos.

Voltando ao Brasil e a seus colonizadores portugueses encontramos raízes do adultério na dominação moura da Península Ibérica no século VII. Enquanto os ibéricos eram “enfeitiçados” pelo poder de sedução das princesas mouras, nossos colonizadores esqueceram suas esposas na terrinha para cair nos braços, primeiro das índias e com o tempo das negras aqui no Brasil, iniciando esse processo de miscigenação tão característico da composição étnica do povo brasileiro.

Os colonizadores da América do Norte, por sua vez, traziam consigo esposa e filhos quando da sua chegada à terra a ser habitada, não caindo assim às tentações dos prazeres mundanos. Para o norte-americano a mulher trabalha de maneira conjunta em nome da prosperidade e dos bons negócios. Para o português, a mulher é apenas instrumento de prazer e para parir filhos. Nesse momento Moog utiliza-se de duas histórias de enredos semelhantes e finais diferentes: no Brasil, temos o romance de Diogo Álvares e Paraguaçu, português, colonizador e branco versus índia, que se casam, constituem família e moram felizes, um tempo na Corte e por fim no próprio Brasil; já John Smith, o colonizador, e Pocahontas, a índia apache, têm um caso amoroso, o branco tem a vida salva pela índia e depois de tudo volta para a Inglaterra e deixa a amada em sua terra, com seu povo, sem nada lhe dar em troca de tudo o que fizera. O brasileiro é produto de três raças tristes, não tem ânimo para vencer na vida. Já o norte-americano, vê no trabalho o progresso e o motivo do seu sucesso.

Discute-se a questão se realmente existem fontes apropriadas para discutir a história. Analisa-se a questão da educação de um e de outro. Os norte-americanos alfabetizam-se para ler a Bíblia, tem espírito colonizador e não conquistador e, não podemos esquecer-nos da busca pela glória. Já os portugueses tinham como motivador a cobiça pelo ouro e também o lucro. As bandeiras aqui mais mataram que ajudaram a povoar nossas terras. Então, na América Latina o Bandeirante se sobrepôs ao Pioneiro diz o autor. Entretanto, este pensamento pode ser considerado um pouco suspeito. Análises feitas posteriormente apontam explicações e dizem que houve colonização e exploração em ambas as partes do continente Americano. Por maior que fosse o desejo de riqueza fácil do colonizador português e a exploração dos recursos brasileiros, houve sim, uma colonização de fato, mesmo que incipiente. Assim como podemos presenciar, além de uma colonização mais organizada e digamos, sólida, houve da mesma forma exploração econômica das riquezas na Nova Inglaterra.

Nas últimas partes do livro, Viana Moog se detém na questão dos símbolos e a sua importância para os discursos que visam dar uma identidade a um determinado grupo e ser o exemplo perfeito que deve ser seguido por todos; bem como suas implicações políticas que os interesses que perpassam esses mitos fundadores. Volta-se ao título do livro “Bandeirantes e Pioneiros” e o autor nos mostra como esses dois personagens foram reelaborados para fins políticos e distorcidos para darem conta de uma realidade que não era a sua. No Brasil, o bandeirante durante muito tempo foi considerado o grande herói nacional. Graças ao seu espírito aventureiro e valente, dilatou nossas fronteiras, achou ouro e povoou a colônia portuguesa. Ganhou nome de praças, ruas e viadutos como forma de demonstração do respeito que nosso povo tem por essas bravias figuras. Pouco, ou quase nada se disse da extrema violência com que estes bandos agiam, na busca de riquezas e escravos. As milhares de mortes e o desaparecimento de dezenas de tribos indígenas pelas mãos dos bandeirantes quase não apareciam nos livros escolares à época em que a obra de Moog foi escrita.

O mesmo ocorreu com a figura do Pioneiro. Até a independência norte-americana o Pioneiro era tido como o símbolo da Nova Inglaterra. Trabalhador, religioso e sério. Contudo, outras duas figuras vão surgindo, sobrepondo-se à este Pioneiro. Principalmente após a independência e a fundação dos E.U.A será mais notória a participação social dos fazendeiros escravagistas do sul – os farmers – e os liberais capitalistas do norte – ianques. Com a Guerra da Secessão (1861 a 1865) entre o norte e o sul, os pioneiros vão ser empurrados para o oeste caindo no esquecimento. Com a vitória dos ianques na Guerra Civil Americana, este Pioneiro vai ser resgatado com algumas alterações no seu simbolismo. Antes da sua ianquização o trabalho era visto como parte fundamental da religião. Trabalhava-se para Deus, ou seja, possuía um caráter antes religioso que econômico. Neste sentido, os ianques se apoderaram desta figura, distorcendo o valor real do trabalho para o Peregrino. Essa ianquização alterou o discurso e fez com que o único objetivo do trabalho obstinado é o sucesso e o lucro.

Viana Moog pode ser considerado pioneiro, com o perdão do trocadilho nos estudos relacionados ao Brasil e Estados Unidos. Mesmo que muitas de suas teorias sejam ultrapassadas nos dias de hoje, para a época em que Bandeirantes e Pioneiros foi escrito, em 1954, suas percepções sobre as duas culturas foram um grande avanço para as interpretações do que é o Brasil e o povo brasileiro. Uma obra fundamental para entendermos um pouco mais sobre o nosso país e nossos vizinhos do norte.


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