terça-feira, 6 de julho de 2010

Herdeiros da Pampa pobre: O poder simbólico da Revolução Farroupilha

*Por Rafael de Brito Vianna

Mas que pampa é essa que eu recebo agoraCom a missão de cultivar raízesSe dessa pampa que me fala a históriaNão me deixaram nem sequer matizes?
(“Herdeiros da Pampa pobre”-Gaúcho da Fronteira/Vaine Darde)

O trecho da música “Herdeiros da Pampa pobre”, exposto acima tem como principal objetivo nos perguntarmos “Quem somos nós?”. Este pequeno texto servirá para uma pequena reflexão sobre a construção da ideologia rio-grandense, fortemente calcada nas glórias dos farrapos. Como pode, apesar da crescente globalização da sociedade contemporânea, todo um mito, uma ideologia sobreviver à modernidade e cada vez mais fortalecida com o crescente aumento do mercado simbólico que envolve a cultura gaúcha.
Os movimentos folclóricos, que buscam preservar os costumes de um determinado local não são fenômenos recentes. Com a concepção moderna de Estado, veio a necessidade de se construir ou legitimar um discurso que identificasse as pessoas como originárias de um todo. Este sentimento de pertencimento para alcançar o maior número possível de pessoas vê na cultura a forma mais rápida e certeira de se naturalizar no imaginário popular, podendo ser passado de geração para geração e de certa forma sem mudanças muito radicais em seu conjunto. “É preciso invocar antigas tradições (reais ou inventadas) como fundamento “natural” da identidade nacional que está sendo criada.” (OLIVEN,1992, p.15).
Desta maneira, o regionalismo surge como uma resistência aos processos homogeneizadores, cada vez mais crescentes no mundo da globalização. Além de fronteiras geográficas, as fronteiras culturais de afirmação perante o “outro” tornam-se necessárias.

Segundo Bordieu (1980), citado por Oliven (1992,p. 19),

"O regionalismo (como o nacionalismo) não passa de um caso particular de lutas propriamente simbólicas em que os agentes estão engajados seja individualmente e de forma dispersa, seja coletivamente e de forma organizada, e que tem como objetivo a conservação ou a transformação das relações de forças simbólicas e dos lucros correlatos, tanto econômicos como simbólicos; ou, se se prefere, a conservação ou a transformação das leis de formação dos preços materiais ou simbólicos ligados às manifestações simbólicas (objetivas ou intencionais) da identidade social. "



Neste sentido, a necessidade de conservar ou transformar as “relações de força simbólica” está intimamente ligada à construção social da memória. Por essa razão o regionalismo nada é, sem a memória. Por mais que se tenha interesses políticos e econômicos por trás de um regionalismo, as pessoas devem-se sentir pertencentes à este discurso.Caso contrário pouco se faz. “Uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos sociais.”(OLIVEN,1992, p.21). É notório que essa busca pelo passado se manifesta, na maioria das vezes em períodos de mudanças sociais, crises, etc. O folclore é responsável pelos estudos das tradições e é o principal à dar alguma significação, substância à comunidade.
Este folclore se apresenta como algo popular, cabendo aos intelectuais montarem, sistematizarem e darem algum sentido a essas narrativas e representações. É por este grupo detentor da memória, portanto manipulador das tradições e rituais necessários, que será idealizada a Epopéia Farroupilha e se auto-proclamação “guardiães da memória”, principalmente no Movimento Tradicionalista Gaúcho.
A busca desta “gênese gaúcha”, fez da Revolução Farroupilha o símbolo máximo, a coluna vertebral onde toda a ideologia gaúcha irá se apoiar. Não devemos, nem temos como negar que de fato a revolta de 1835 aconteceu. Mas toda a mítica construída a partir do acontecimento é legítima? De que forma e quais os grupos responsáveis por esta representação que perdura até os dias hoje?São questões que merecem ser discutidas.

Ao adquirir vida própria, a ideologia sobrevive à própria formação social que lhe deu origem e passa uma nova etapa histórica exercendo nova função, expressando novas relações sociais, embora mantendo as vestes e a música com que cantava a formação social anterior. (VARES, p.139, 1992.)

O “CENTAURO DOS PAMPAS”

Para entendermos o mito Farroupilha, torna-se necessário saber à qual passado e quais são as características deste passado com que “vestimos” os principais personagens da revolta de 1835. Características como a “bravura”, a “democracia rural”, “coragem” e “heroísmo” fizeram do gaúcho um exemplo digno a ser seguido por outros povos. Grande parte da intelectualidade gaúcha de fins do século XIX e início do XX defenderá e justificará essas características, dando uma fundamentação “científica” ao discurso.

Segundo Pinto da Silva, citado por Gutfreind (1992, p.149),

"Filhos de soldados e de aventureiro, que em sua maioria eram esmagados pelas guerras,os primeiros gaúchos, criados ao acaso, entre privações e torturas, mereciam bem, por certo, a denominação pejorativa de “guachos”. Dessa origem, humilde e rude, foi se erguendo, aos poucos, o gaúcho, a golpes reiterados de heroísmo, resgatando ,dia a dia, pelo sofrimento e pela bravura, as faltas dos antepassados e constituindo-se, por último, em tronco de grande e valora estirpe. "


Com um discurso deste quem não tem orgulho de ser gaúcho?Vale lembrar que este gaúcho herói é o brasileiro, tratado ao longo da historiografia rio-grandense, de ser separado e avesso à idealização do gaúcho platino que tinha a fama de viver sem leis, roubando gado pelo Pampa a fora.
A função inicial da Província de São Pedro também foi fator essencial para a formação da figura idealizada de gaúcho. Cenário de muitas batalhas entre as Coroas Ibéricas, castelhanos e índios e a forte presença militar, bem como a condição de fronteira, muralha responsável pela conservação do território português mais ao sul do continente sul-americano nos dá a sensação de que nascemos para a guerra. Pelo nosso histórico sangrento, muitos consideram o gaúcho como um soldado espartano de bombacha. Tamanha a nossa coragem e prontidão para a peleja construiu-se a virilidade do homem gaúcho, o machismo. Vale lembrar a análise de Érico Verissimo: “uma colonização de escassas mulheres, de guerreiros sempre necessitados de defender seu rabo e, quando fosse o caso, também seu rabo de saia de qualquer olhar mais desesperadamente guloso.” (GUEDES, 1992, p.17).
Cabe aqui lembrar que o estereótipo apresentado a cima corresponde ao gaúcho da campanha, de preferência com sangue lusitano nas veias e que vivia livre no campo. O discurso quanto ao tipo de gaúcho que somos, presente na historiografia tradicional encontrou mecanismos para diminuir, na formação deste personagem, a participação do sangue indígena e negro. Cabendo aos dois serem classificados como sub-culturas. Além desses dois grupos, o gauchismo pouco ou quase nada se refere às regiões de colonização européia a exemplo dos alemães e italianos. Esquece-se da mesma forma os “Gaúchos a pé” que vivem nos grandes centros urbanos do Rio Grande do Sul. Baseado nesta historiografia e literatura romântica, nos primeiros grupos que buscavam a manutenção da cultura sulina que surgiram no século XIX como o “Partenon Literário”, o Movimento Tradicionalista Gaúcho se mostrará como o principal mantenedor e multiplicador desse ideário.
REVOLUÇÃO: DE QUEM PARA QUEM?

Debates sobre a Revolução Farroupilha é o que não falta. Questões como a ideologia Separatista X Federalista e principais motivos que causaram o conflito são alvos de muitas discussões. Conhecido também é o caráter elitista que possuiu a revolta Farrapa. Foi uma luta entre classes dirigentes, fazendo com que parte da população viesse a reboque dos interesses dos charqueadores. Em suma, não foi uma revolta do povo e para o povo. Apesar de toda essa discussão, porque sentimos arrepios ao escutar o Hino do Rio Grande do Sul ou procuramos a melhor “pilcha” para comemorar o 20 de Setembro participando de um desfile na avenida central da cidade?Por que comemorar uma guerra que perdemos, não foi feita pelo o povo e mesmo assim tomamos esta narrativa como nossa? Oliven (1992, p. 21) explica que:

"Uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos sociais. Para isso, é necessário que um discurso ao interpelar sujeitos veicule uma mensagem verossímil, pois “para que uma ideologia se realize como tal, ‘capture’ os sujeitos, provoque adesão, é preciso que as significações produzidas pelo seu discurso encontrem eco no imaginário dos indivíduos as quais se dirige, isto é, é preciso que se dê uma certa adequação entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos. "


A ideologia em torno do gaúcho e da Revolução Farroupilha torna-se bem sucedida, porque o discurso que dominadores deste buscam de certa forma acaba sendo legitimado pelo fato da Revolução realmente ter ocorrido. Só é possível, porque se conseguiu buscar no imaginário popular o mito fundante e o um reconhecimento/ identificação nesta idealização.
Maior ainda essa legitimação quando há a personificação do imaginado. Assim, forma-se o “Panteão Farroupilha” com seus bravos e valentes líderes, exemplos da coragem gaúcha e que todos devem seguir seus exemplos e ideais. “Sirvam nossas façanhas de modelo à toda terra.”
O fenômeno do regionalismo faz com que em épocas de crise, mudanças políticas e sociais esta mitologia venha à tona para combater as forças externas. Pesavento (1992, p. 21) afirma que “para combater o fantasma da incômoda performance ‘deles”, ‘nós’ nos utilizávamos da nossa ilusão referencial.”


TRADICIONALISTAS X NATIVISTAS: O ENTREVERO


Sem dúvida alguma pode-se afirmar que o Movimento Tradicionalista Gaúcho, iniciado com o “35” no Colégio Júlio de Castilhos em Porto Alegre, no ano de 1948 é o grande manipulador deste imaginário gaúcho. Órgão máximo dos grupos ligados ao folclore gaúcho, o MTG tem por finalidade administrar, orientar e normatizar toda a atividade cultural ligada ao tradicionalismo.
Dentro deste movimento há uma disputa pelo poder simbólico do imaginário gauchesco. De um lado temos os tradicionalistas, ala mais ortodoxa que vê no tradicionalismo procura a preservação das tradições.Para os folcloristas isto quer dizer que a manutenção da tradição deve permanecer imutável, frente às constantes mudanças sociais. O papel do Tradicionalista é preservar a cultura.


"Os tradicionalistas estão constantemente preocupados em demarcar fronteiras, separando o puro do impuro. (...)Toda essa preocupação se traduz na busca de normas e na elaboração de documentos que procuram traçar diretrizes." (OLIVEN, 1992, p. 78).


No outro lado da “trincheira” temos o time dos nativistas, pertencente à terceira geração do Movimento Tradicionalista, não negam a essência tradicionalista. Porém são progressistas, aceitando mudança; uma modernização da cultura gaúcha.
O que se torna mais importante em ser analisado nesta luta é a briga pelo ”mercado de bens simbólicos gaúchos” com o aumento da popularidade no que diz respeito ao folclore do Rio Grande do Sul. Cada vez mais a mídia é a principal impulsionadora desta cultura, manifestada através de CD’s, programas de rádio e televisão; promoções durante a Semana Farroupilha; rodeios e festivais de canção. Fazendo com que até a pessoa mais revoltada com essas questões debatidas acima, em um momento de descontração se vê tomando um chimarrão na praça com amigos.
Termino aqui sem muitas respostas, nem tive a pretensão de estabelecer modelos. Apenas analisar. Enquanto isto continuaremos com a velha máxima Sheakesperiana : “Ser ou não ser?Eis a questão.”




REFERÊNCIAS

GONZAGA, Sergius (Org.). Nós, os gaúchos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1992.

LOPEZ, Luiz Roberto. Revolução Farroupilha: a revisão dos mistos gaúchos. Porto Alegre: Ed. Movimento, 1992.

LOVE, Joseph L. O Regionalismo gaúcho. São Paulo: Ed. Perspectiva S.A, 1975.

MARX. Irton. Vai nascer um novo país: A República do Pampa. Santa Cruz do Sul: Ed.Excelsior,1990.

OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: A diversidade cultural no Brasil-nação. Petrópolis: Vozes, 1992.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Louis le Grand - parte III

Sua Santidade: Luís, o Grande

No início desta resenha, dei rápidas pinceladas quanto ao status de santidade que pairava sobre Luís XIV. Vamos aprofundar neste tópico essa relação entre o rei e a mitificação de sua imagem com os súditos.

Um dos gestos mais “milagrosos” relatados por contemporâneos do Rei Sol é o chamado “toque real”. Acreditava-se que o rei, como o representante de Deus na terra, tinha o poder de com apenas um toque curar as pessoas enfermas. Durante todos os anos em que Luís se manteve no poder, centenas de pessoas iam atrás de seu soberano para terem a graça da cura concedida.

Na época de Versailles, temos o acentuado uso de ritual para o cotidiano. Onde o levantar e o acordar transformaram-se em cerimônias, digamos “cheias de frescuras”. Quando a mesa estava posta, mesmo na ausência do rei, quem entrasse deveria tirar o chapéu em reverência. Era uma grande honra poder acompanhar e auxiliar o ilustre monarca em seus momentos íntimos, como idas ao banheiro. Não se pode, no entanto, ridicularizar estas formas de reverência. É nosso dever analisar quão grande é o impacto e a credibilidade que conseguiu se construir de um líder. E também o poder de persuadir em um governo absolutista que vê a publicidade sua maior arma.

Após a morte de Lavois, o regime de Luís começa a entrar em profundo declínio e o reino da publicidade começa a mostrar falhas. Campanhas militares mal sucedidas, derrotas constantes no plano internacional faz com que o Rei Sol aos poucos se apague até o final de seu reinado em 1715.

“L’État c’est moi?”

A frase atribuída à Luís retrata o pensamento de um monarca, de certa forma egocentrista .Mas isso é de fato algo legítimo? O Rei Sol com certeza foi um líder “popular” e vaidoso com sua imagem, sendo que isto não o faz propriamente ser o Estado. Seu poder foi absoluto durante 72, mas mesmo assim não podemos fazer dele o único dono do reino da França. Havia um Estado antes e o mesmo continuou após a sua morte. Luís foi filho de seu tempo, soube jogar com as armas certas e com as pessoas certas.

“(...) representar o Estado não é o mesmo que ser identificado com ele. Bossuet lembrou ao rei que ele morreria, ao passo que seu Estado deveria ser imortal,e, ao que se conta, Luís falou em seu leito de morte: “Vou partir, mas o Estado permanecerá depois de mim”. Não se deve tomar o famoso epigrama demasiado literalemente.” (BURKER,pg.21)

Outros governantes se promoveram, no entanto não tornaram-se o Estado. Talvez, opinião minha no caso, ele investiu pesado no marketing pessoal e muitas vezes nos passa a falsa impressão que Luís XIV é a França e vice-versa.


REFERÊNCIA

BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: J. Zahar, c1994.

Louis le Grand - parte II

Patrocínio Real: faça jus ao teu pagamento!

Desde muito cedo construiu-se o mito de que o Rei era divino,onisciente. O representante direto de Deus na Terra. Ao contrário do que se pensa na maioria das vezes, a imagem do Estado personificada no monarca não é característica apenas da fase mais absolutista de seu governo. Ao assumir o governo com 4 anos de idade, mesmo sendo uma criança que mal sabia falar, já lhe era considerado o verdadeiro líder das vitórias do reino francês. Atribuía-se a ele o sucesso de campanhas militares, sendo ele o líder do exército que massacrara seus inimigos. Um marcante exemplo desta situação foi com a chamada Fronda (1648-1653) sendo uma revolta por parte do Parlamento, aristocracia e movimentos populares que se levantaram contra o governo, até então sob regência de Mazarin reivindicando melhorias econômicas e sociais. Na maior parte da revolta, Luís manteve-se afastado do poder porque ainda não completara a idade adequada para assumir sozinho a Coroa. Mas a vitória final e a derrota da Fronda foram consideradas “conquista do Rei”. Deste conflito e de outros futuros, originaram-se estátuas, quadros e medalhas tendo o rei como único e exclusivo detentor dessa história.

Com a morte do Cardeal em 1661, assume como auxiliar do Rei, Jean-Baptiste Colbert que será o responsável pelo crescimento e fortalecimento da figura real. Este período é considerado o passo decisivo para a auto-afirmação da imagem de Luís perante seu povo. É neste período que o governo incentiva a criação de academias de arte, centros científicos e de experimentos tecnológicos. Estrategicamente, Luís patrocina com grande entusiasmo essas academias incentivando-as para que construam da melhor maneira possível sua imagem,

(...)”quando podemos observar a ‘organização da cultura’ no sentido da construção de um sistema de organismos oficiais que mobilizavam artistas plásticos,escritores e eruditos a serviço do rei.” (BURKE, pg.62)

Logicamente este apoio vindo do rei, não era sem segundas intenções. Por trás das volumosas pensões dadas aos artistas contratados – tanto franceses como estrangeiros- havia uma subjetividade do trabalho a ser realizado pelos contratados.

Além da fundação de academias, tornou-se comum a criação de pequenas academias. Em especial a chamada “Petite Academie”, composta pelos principais dirigentes do governo. “Sua missão era essencialmente supervisionar a criação da imagem pública do rei”(pag.70). Uma espécie de órgão fiscalizador, que fiscalizava desde os textos a serem publicados, aos detalhes de moedas e quadros a serem feitos.

De Júpiter à Cristo: as mil faces do Rei.

Não era novidade naquela época o uso de alegorias para a representação de acontecimentos e glórias de um reino. Mas no caso do Rei Sol, chama muita atenção a constante preocupação para que isso acontecesse. Fazer o Rei parecer um deus grego, ou um grande personagem era de grande importância. Tornou-se uma política governamental de primeiro escalão.

“(...) devendo com freqüência ser entendidas como referências indiretas ao presente (e os espectadores do século XVII eram treinados para isso). Quando Luís pediu a Charles Lebrun que pintasse cenas da vida de Alexandre Magno, estava não só expressando sua admiração por Alexandre como se identificando com ele. Esperava-se que também os súditos fizessem essa identificação.” (BURKE,pg.43)

O rei também foi comparado em pinturas e obras literária com Clóvis, Hércules; Júpiter e Imperadores Romanos. Tamanho era a intensidade dessas alegorias, que Pierre Paul Servin retratou Luís como O Bom Pastor em uma pintura, referindo-se à imagem de Jesus Cristo.

Inúmeros retratos de Louis mostram o rei informal, até mesmo jogando bilhar. Mas ainda a maioria das pinturas eram do chamado “retrato solene”, onde “a pessoa é geralmente apresentada em tamanho natural ou até maior, de pé ou sentada num trono. Os olhos retratados estão acima dos olhos do espectador, para sublinhar sua posição superior”.(BURKE,pg.31). Curiosamente os artistas do rei vieram na contra-mão da tradição de sempre retratar os soberanos com a mesma aparência com que iniciou seu governo. Não eram retratos fiéis, mas observando as obras ao longo dos 72 anos em que Luís esteve no poder, podemos observar uma mudança na aparência com o passar dos anos. Exemplo mais digno desta situação é o retrato solene da autoria de Rigaud, onde se mostrou “fiel ao modelo até os olhos cansados e a boca encovada após a extração de dentes da arcada superior em 1685” (BURKE,pg.46).

Um acessório característico deste reinado foi a confecção de inúmeras moedas e medalhas para se comemorar os “feitos do rei”. A confecção dessas moedas aumentou no período mais bélico do reinado. Conflitos entre França e demais países do velho mundo foram um prato cheio para este meio. As guerras contra os espanhóis pela tomada dos Países Baixos, assim como na Guerra Holandesa fizeram com que vários tipos de “atos heróicos” fossem cunhados, assim como frases grandiosas em homenagem ao rei.

Neste período de guerras, Peter Burke ressalta um acontecimento em especial e a repercussão que este deu em meio às artes e do público em geral, que é a famosa Travessia do Reno. O jornal Gazette narra como “um feito que nem mesmo César igualara, pois que ele usara uma ponte, ao passo que Luís, mais capaz que os césares de resolver todas as dificuldades, transpusera os obstáculos à sua passagem sem esse tipo de ajuda mecânica”. Além de jornais, poemas narram esta proeza do Rei. Assim como o pesado uso de alegorias nas tapeçarias e quadros, que mostram Luís sendo carregado pelas figuras femininas da Vitória e da Glória, amedrontando os deuses da água.

Com a morte de Colber em 1683, assume em seu lugar Louvois que muda de certa forma a estratégia de marketing. O novo superintendente estendeu seu império sobre as artes, já que como era época de relativa paz, podia-se gastar com mais tranqüilidade as finanças. Foi neste período em que se reconstruiu o famoso Palácio de Versailles. Lavois não sem conteve apenas com quadros, livros e medalhas. Um grande fenômeno atribuído à ele é a “campanhas das estátuas” e a construção de prédios, palácios e arcos em homenagem ao rei francês. Com as guerras acima citadas, o número de territórios sobre o domínio da França era maior. Para que o poder dessas províncias continuassem na mão de Luís, incentivaram-se no interior a construção de inúmeros monumentos em homenagem à ele.

Nos oito anos em que Lavois manteve-se no governo, os gastos com a cortes em Versailles aumentaram significativamente, afirmando lá os chamados “ritos” tão famosas nos dias de hoje.