TENDO
RIDO DEUS...
Quando falamos em mitos, muitos lembram
dos gregos e sua rica mitologia. A Grécia arcaica, como é conhecida, via em
suas lendas, uma forma de entender e explicar o mundo ao seu redor. O chamado
“Papiro de Layde ou Leiden” (século IV d.C), que se encontra atualmente no
Museu de Antiguidade de Leiden, foi encontrado na cidade egípcia de Tebas.
“Nele, confluem conhecimentos extraídos das tradições astronômicas de origem
egípcia, cruzados com elementos da cosmogonia grega.” (MACEDO, p.45).
“Tendo rido Deus, nasceram os sete
deuses que governaram o mundo... Quando ele gargalhou, fez-se a luz... Ele
gargalhou pela segunda vez: tudo era água. Na terceira gargalhada, apareceu
Hermes; na quarta, a geração; na quinta, o destino; na sexta o tempo. Depois,
pouco antes do sétimo riso, Deus inspira profundamente, mas ele ri tanto que
chora, e de suas lágrimas nasce a alma.” (MINOIS, 2003, p. 21).
Há outra
versão mais detalhada da mesma passagem, encontrado em Martinez e Romero (1987,
p. 283-284), citado por José Rivair Mecedo (2000),
“Deus teria rido pela primeira vez, e
apareceu Fos (Luz), Auge (brilho) e nasceu como deus o Fogo. Com o segundo
riso, apareceu a água e foi criado o deus Escacleo. Tendo rido pela terceira
vez com cólera, apareceu Nous (mente), que recebeu o nome de Hermes. Ao quarto
riso, apareceu Genna (geração), que foi nomeada Badetoft Zotaxatoz. No quinto
riso, Ele entristeceu, e apareceu Moira (destino) com uma balança, indicando
com isto ser portadora da justiça. Ao rir pela sexta vez, mostrou-se alegre, e
surgiu Kairós, segurando o cetro da realeza. Na sétima e última vez, nasceu
Psique (alma) e Deus chorou enquanto ria.” (p. 45-46).
Como podemos notar, para os gregos
antigos, o mundo surgiu de uma grande gargalhada. Todos nós somos o resultado
deste riso divino. Sendo o riso algo sagrado, pertencente aos deuses, logo ele
terá que possuir uma “etiqueta” para o seu uso. É o riso sacralizado e
ritualístico.
O
RISO PARA A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES
A
função social do riso, não pode ser pensada apenas como uma característica
pertencente à cultura grega clássica. Ele está presente em muitas civilizações
orientais da antiguidade, quanto em culturas indígenas. Há registros
antropológicos de quê a cultura Chalupi, da região sul do Chaco paraguaio
possui “uma categoria de narrações míticas, destinadas a provocar o riso
coletivo.” (Macedo, 2000, p.34). Este riso coletivo, não pode ser considerado
um riso alegre ou de euforia. Nestas histórias contadas nas tribos Chalupi, as
figuras respeitadas e temidas por estes índios são transformados em personagens
com traços ridículos para provocarem a derrisão.
“Por meio da diversão, os índios liberam seus
temores, despojando os perigosos intermediários das forças sobrenaturais ao
transformá-los em idiotas da aldeia. Inversão temporária, é claro, mas condição
necessária para o equilíbrio da ordem cósmica e social sob a qual viviam.”
(Ibidem, p.34).
Esta inversão social
ocasionada pelo riso representa o caos e de certa forma uma inversão da lógica de
determinado grupo. Um exemplo simples e bem brasileiro é a comemoração de
Carnaval. Época em que muitas regras e condutas são esquecidas por um determinado
tempo, permitindo que as pessoas se divirtam, riam sem peso na consciência. O
uso de fantasias, na tentativa de ser o que costumeiramente não se é, pode ser
visto como uma “fuga” do cotidiano e a quebra de barreiras, sendo, mesmo que
inconscientemente os principais objetivos da comemoração. Na concepção temporal
cíclica, o caos torna-se necessário para que, exista após este período a ordem.
“Ele estaria exatamente no ponto de intersecção entre o fim e o recomeço, entre
a morte e o renascimento do mundo, da vida e do homem.” (2000, p.37).
Durante toda a antiguidade clássica,
presenciamos o riso como importante elemento ritualístico em diversas culturas.
Não podemos ter como opinião que festas eram apenas festas. Elas possuíam
fundamentos que vão além da mera diversão. No período em que esta desordem está
em vigor, é comum em muitos dos festejos se escolhe um rei cômico, que
presidirá a festa e ao fim, muitas das vezes, é oferecido ao sacrifício aos
deuses. Este riso, segundo Minois (2003) revela,
”O esquecimento do profano, um contato com o
mundo dos deuses e dos demônios que controlam a vida. (...) um retorno às
origens que permite reproduzir os atos fundadores, para regenerar o mundo e os
homens, para interromper o declínio.” (p.29-30).
Estas festas realizadas de forma
periódica tinham como principal objetivo reforçar o vínculo entre os homens e
os deuses, atualizando-se os mitos de origens daquele povo. Muitos destes “reis
cômicos” escolhidos entre o povo, serviam ao final como bode expiatório. Aliás!
O riso está intimamente ligado à morte.
Podemos também notar a concepção
ritualística do riso presente na cultura semita. O próprio filho de Abraão,
recebeu o nome de Isaac, “em hebraico Yiçechaq , que quer dizer ‘aquele que ri’” (Macedo,p.
45). Palavra que deriva do termo
Yiçechaqèl que possuiu o significado de “Deus ri”. O fato de Isaac ser
oferecido pelo pai em sacrifício à Javé, no livro de Gênesis, nos apresenta uma
relação entre o riso e o morrer do homem.
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