sábado, 4 de dezembro de 2010

Historiador : advogado do Diabo.


Carlo Ginzburg diz que historiador deve agir como advogado do diabo


O historiador italiano Carlo Ginzburg, 71, autor de "O Queijo e os Vermes" e um nome central da vertente chamada micro-história, defendeu anteontem, em sabatina promovida pelaFolha, uma postura combativa ao lidar com pesquisas históricas.

Para ele, o historiador deve agir como um advogado do diabo, apresentando questões difíceis às hipóteses. "Nenhuma afirmação pode ser considerada definitiva", disse. "Mas o ônus [da prova] é de quem suspeita."

Ele veio ao país promover o relançamento do livro "Investigando Piero" (ed. Cosac Naify), em que propõe uma nova interpretação para o quadro "A Flagelação de Cristo", do renascentista italiano Piero della Francesca.

Na sabatina, sugeriu uma leitura detida de fatos e circunstâncias, que chamou de "olhar lento, mas não tedioso", em contraposição a uma sociedade mergulhada em "imagens inflacionadas".

Ginzburg foi entrevistado pelo crítico literário e diretor de programação da Flip, Manuel da Costa Pinto, e pela professora de história da USP Laura de Mello e Souza. A mediação foi do editor da Ilustríssima, Paulo Werneck. Leia a seguir os principais trechos da conversa.



"Investigando Piero"

Este livro marcou uma guinada inesperada na minha pesquisa. Em um museu de Siracusa [Itália], vi um vaso grego, um gesto de batalha, que identifiquei com o traço de Piero della Francesca. Estava posto um problema de semelhança morfológica entre elementos não relacionados.

"Flagelação"

É um quadro muito anômalo porque a flagelação se dá no pano de fundo, Cristo aparece muito pequeno. A cena também está construída sobre uma perspectiva rigorosíssima. Também aparece a coluna venerada por ser onde Cristo foi acorrentado.

Fui ver a coluna e medi a relação entre a altura real de Cristo e a altura da coluna, uma proporção de um para dez, divina. Tentei reconstituir a densidade da experiência.

Olhar lento

Vivemos numa sociedade em que as imagens são inflacionadas. Por isso é importante reafirmar a densidade de uma imagem como essa, com um olhar lento. É a arte de ler lentamente, como dizia Nietzsche. Nesse caso, é a arte de ver lentamente. Gesto lento, mas não tedioso.

Provas

Quando é que podemos dizer ter provado algo? Seria útil que a linguagem nos oferecesse uma escala de provas --algo como prova de força quatro, cinco--, que pesasse o ônus da prova. O ônus é de quem suspeita. Mas nenhuma afirmação histórica pode ser considerada definitiva: toda afirmação é verdadeira até que se prove o contrário.

Advogado do diabo

A prova é como o advogado do diabo. Não é possível ser audaz e prudente ao mesmo tempo, só se você se desdobrar, uma parte formulando hipóteses com audácia, e a outra, apontando dificuldades e requerendo provas.

O advogado deve fazer as perguntas más, como se houvesse uma prova correta, criando um antagonismo.

Lévi-Strauss foi um advogado do diabo. Quando li pela primeira vez seu "Antropologia Estrutural", foi um encontro com um mundo muito distante. Foi esse desafio à história que me fascinou em Lévi-Strauss. Nos anos 70, o diálogo era intenso entre historiadores e antropólogos.

A antropologia, para mim, foi muito importante. Existe ainda hoje isso do antropólogo como figura inquisitiva.

Micro-história

Insisto que o termo micro não tem a ver com pequenez, com aquilo que esteja à margem dos objetos. Diz respeito a um olhar analítico, microscópico. É possível ver a perna de uma mosca no microscópio ou a textura da pele de um elefante. Esse elemento me é caro. Busco o excepcional, aquilo que nos dá um quadro da anormalidade.

A anomalia, por definição, contém a norma, é mais rica do que a norma do ponto de vista cognitivo. Mas eu não busco exaltar a anomalia.

Filologia

A superfície do texto registra tensões subterrâneas, como um sismógrafo. [Usar a técnica da leitura lenta] É como encostar a orelha no chão, como um índio que sente o barulho que vem de longe. Dentro de um texto, há sempre uma pluralidade de vozes e situações. É possível colher ali traços da realidade que está fora dele.

Google

[Os historiadores] Robert Darnton e Roger Chartier se preocupam com as implicações políticas e legais associadas a projetos do Google, que preveem a digitalização de uma quantidade enorme de livros que pertencem a bibliotecas públicas por uma instituição privada.

Eles veem no Google ferramentas de controle do usuário. Mas acho que ele pode ser usado contra as intenções de quem o domina. Na Revolução Francesa, o livro foi usado como instrumento de luta contra o controle. A possibilidade de um uso imaginativo, subversivo do Google não deve ser descartada.

Anomalia contemporânea

Não devemos partir das boas velhas coisas, dizia [Bertolt] Brecht, mas das malvadas coisas novas. Precisamos usar aquilo que nos ataca e nos enoja. Ver o horror, a feiura da realidade é difícil, mas devemos tentá-lo.


Retirado de: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/839416-carlo-ginzburg-diz-que-historiador-deve-agir-como-advogado-do-diabo.shtml

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Guerra no Rio








O Historiador brasileiro José Murilho de Carvalho dá neste vídeo sua opinião sobre as ações da Polícia e das Forças Armadas nas favelas Cariocas, bem como o papel do Estado.

Qual será o futuro dessas comunidades? É a grande questão do momento.


José Murilo de Carvalho é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Cinências. Dentre suas obras, as principais são:


- A formação das Almas: o imaginário da República no Brasil (1990)

-Teatro das Sombras: a política Imperial (1988)

-Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. (1987)

- A Construção da ordem: a elite política Imperial. (1980)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ossadas de Vítimas da Ditadura Militar

Removidas 16 ossadas que podem ser de desaparecidos políticos

Sepulturas clandestinas foram localizadas no Cemitério Vila Formosa, que podem estar enterrados desaparecidos na época da Ditadura.

Foram removidas nesta terça-feira (30) 16 ossadas encontradas em sepulturas clandestinas no Cemitério Vila Formosa, onde podem estar enterrados restos mortais de desaparecidos políticos pela Ditadura Militar (1964-1985). O local começou a ser escavado ontem (29) pela equipe que faz buscas no cemitério desde o último dia 8.
A perícia é conduzida por um grupo formado por representantes do Ministério Público Federal, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal e do Instituto Médico Legal.
Os restos mortais retirados surpreenderam a equipe, segundo a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, pois indicam que o local clandestino continuou sendo usado até a década de 1990. “Além de ser utilizado, ele não foi documentado em lugar nenhum e ele recebeu ossos de pessoas identificadas que não puderam continuar pagando os ossários privados”.
O mais grave, de acordo com a procuradora, é que a sepultura comum foi descaracterizada e camuflada no ano 2000. “Foi totalmente aterrado e encoberto, construíram um canteiro em cima”.
Eugenia disse, no entanto, não saber se a ocultação do ossário foi uma falha administrativa ou um ato deliberado. “Se foi uma falha administrativa, foi muito grave. Não podia simplesmente ter aterrado um local que abriga restos mortais humanos”.

O Ministério Público pretende investigar porque foi feito o aterramento do local, mesmo se sabendo que o cemitério de Vila Formosa poderia abrigar corpos de desaparecidos políticos.
Até sexta-feira (3), a equipe deverá identificar todo o conteúdo da sepultura. As escavações atingiram 1,5 metro de profundidade e devem chegar a 3 metros.
As buscas de corpos em Vila Formosa devem localizar os restos mortais de cerca de dez desaparecidos pelo Regime Militar. Entre eles, o de Virgílio Gomes da Silva, conhecido pelo codinome Jonas. Ele era líder sindical dos químicos e comandou o sequestro do embaixador americano Charles Elbric.


Com informações da Agência Brasil

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

HISTÓRIA REGIONAL DA INFÂMIA

Por: Prof. Mozart Linhares da Silva
Retirado de: www.mozartls.blogspot.com

Faltava esse livro no Rio Grande do Sul. Não que tudo o que está dito na obra seja novidade, não o é por certo, sobretudo para os historiadores. Mas esse livro de Juremir Machado da Silva, que promete muita polêmica, é, realmente, um bom guia para aqueles que detestam o romantismo tolo e infame dos criadores de mitos sociais. História Regional da Infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras (ou como se produzem os imaginários), publicado pela L&PM, trata da desconstrução dos mitos que sustentam o imaginário heroico farroupilha e do próprio tradicionalismo sulista. Livro obrigatório nas bibliotecas das escolas e leitura profícua para os implementadores de políticas educacionais no Estado que, muitas vezes, tratam a história do Rio Grande do Sul ou mesmo o tradicionalismo de forma ingênua e acrítica. É lugar comum entre os pesquisadores profissionais os meandros da criação dos mitos regionais: a invenção do gaúcho, as formas de legitimação das histórias míticas acerca da identidade do sul do Brasil, do açorianismo como traço identitário, a ode e os mitos sobre a inexistência de escravos nas regiões de imigração, a democracia pampiana com sua horizontalidade social e assim por diante. Autores importantes, mas ignorados pela grande mídia e pelos promotores de políticas educacionais,Ruben Oliven, Tau Golin, Mário Maestri, Décio Freitas, entre outros, já apontaram em diversas obras como a história oficialesca do estado tem se comportado frente a temas políticos estratégicos, como é o caso da ancoragem da identidade sulista na Revolução Farroupilha, etc,...

Mas esse livro de Juremir carrega consigo o peso de um autor midiático que é, também, um pesquisador profissional, um acadêmico conhecido e cercado por polêmicas também conhecidas. Desde o começo da leitura do livro algo importante é evidenciado. A Pesquisa é ancorada em fontes documentais precisas, não se trata de um ensaio, mas de um texto bem escrito e lastreado pelo espírito investigativo.

O livro mostra com clareza a corrupção entre os líderes da Revolução Farroupilha, o financiamento da campanha a partir da venda de escravos, as traições, entre muitíssimos outros exemplos. Nada de heróis, pouco espírito republicano, nenhum homem saiu com a moral ilibada do evento. Um evento fratricida, como também o foi a Revolução Federalista de 1893, que nada deveria orgulhar uma sociedade. O mundo real, efetivamente. Tudo isso que deveria ser ensinado nas escolas, mas é subtraído por versões romantizadas e doutrinárias, produzidas por diletantes e ideólogos e, pior, distribuídas gratuitamente nas escolas do Estado e adotadas passivamente nos currículos.

A publicação desse livro de Juremir, no entanto, não significa que a partir de agora as coisas serão diferentes. Penso que a indiferença e a precariedade cultural em que vivemos não nos fará sensíveis a infâmia de nossa História Regional. Penso que continuaremos consumindo e ensinando nas escolas uma História anedótica dos heróis, da tradição e por aí vai, no melhor estilo do fascio, com as louváveis exceções, claro. Rubem Oliven, na obra A parte e o Todo, nos mostra um exemplo esclarecedor de como as identidades e as tradições são inventadas, forjadas e até ingenuamente legitimadas, que ilustra esse ceticismo. Trata-se de um poema épico finlandês, intitulado Kalevala, publicado no século XIX, a partir do qual se forjava o folclore e a identidade finlandesas. Mesmo depois de os folcloristas, os intelectuais e, claro, o povo, saberem que se tratava de um poema inventado recentemente e não um épico, portanto, um engodo, preferiram acreditar na sua veracidade. Continuaram a considerar Kalevala um lastro imemorial da identidade da Finlândia. É isso, entre a história e o mito há uma tênue fronteira. É preciso levar a sério a História e aprender com ela, não usá-la como figurino da farsa.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

8 % Eu não aguento


O que se observa é a instituição da repressão a organização. Desde o início deste ano, em todos os momentos em que se tentou informar ou reunir os acadêmicos com vistas a garantir sua intervenção na construção da universidade, presenciamos o isolamento imposto pela direção da UNISC aos organismos estudantis. O exemplo mais claro foi não convocar os bolsistas do PROUNI para o encontro realizado em maio deste ano. Embora se tenha solicitado a convocação e a liberação dos estudantes a instituição sequer respondeu.

Presenciamos ainda o fim da interlocução com as entidades estudantis quando da apresentação do projeto de lei das comunitárias no ultimo mês, chamada sem qualquer participação ou convite às entidades, embora estas estejam diretamente envolvidas na construção do PL.

Mas agora se apresenta o porquê de tudo isso: O AUMENTO DE 8% NAS MENSALIDADES.

Índice superior a inflação do período que, em campanha para reitor, foi um dos pilares de diálogo entra a candidatura do Prof. Tomé e a comunidade acadêmica, diz o compromisso no eixo 3 dos compromissos centrais de campanha :

“Reajustar as mensalidades tendo como limite máximo a inflação”

Mas, segundo a reitoria, o cenário mudou.

Mas também a mudança de cenário não seria impedimento para o cumprimento do eixo 3 dos compromissos de campanha segundo palavras do próprio Prof. Tomé, então candidato, durante visita ao DCE.

Já no primeiro ano deste mandato as promessas se configuraram como somente promessas.

Justificam o aumento atrelando a condição ao aumento de bolsas, estranho é que esta previsão também constava da carta aberta à comunidade acadêmica durante a campanha à reitoria.

Pois bem, o que está acontecendo?

A reitoria mudou sua concepção?

Resolveu abertamente condenar a existência de bolsas como expressou a pró reitora de graduação?

Por que o aumento supera os índices de inflação?

Que se rasga o que se escreve já é sabido em um país de descomprometidos, mas como fica a relação quando isto acontece dentro da universidade?

Tanto os estudantes mensalistas quanto os contribuintes que garantem a existência de bolsas pagarão este aumento que é sim superior a inflação do período e como garante a própria reitoria sem melhoramento ou investimento algum nas atividades e estruturas da UNISC.

A decisão se dará na próxima reunião do Conselho Universitário na semana que vem, como vão se comportar os conselheiros, terão eles a mesma postura da reitoria?

Como os estudantes estão durante este ano sendo sistematicamente perseguidos quando da sua organização será que estes entenderão que a reitoria tem a intenção de construir um clima de conflito entre bolsistas e mensalistas para tirar proveito financeiro?

Quem pode nos responder estas questões?


DCE - UNISC

Gestão Movimento Consciente


terça-feira, 6 de julho de 2010

Herdeiros da Pampa pobre: O poder simbólico da Revolução Farroupilha

*Por Rafael de Brito Vianna

Mas que pampa é essa que eu recebo agoraCom a missão de cultivar raízesSe dessa pampa que me fala a históriaNão me deixaram nem sequer matizes?
(“Herdeiros da Pampa pobre”-Gaúcho da Fronteira/Vaine Darde)

O trecho da música “Herdeiros da Pampa pobre”, exposto acima tem como principal objetivo nos perguntarmos “Quem somos nós?”. Este pequeno texto servirá para uma pequena reflexão sobre a construção da ideologia rio-grandense, fortemente calcada nas glórias dos farrapos. Como pode, apesar da crescente globalização da sociedade contemporânea, todo um mito, uma ideologia sobreviver à modernidade e cada vez mais fortalecida com o crescente aumento do mercado simbólico que envolve a cultura gaúcha.
Os movimentos folclóricos, que buscam preservar os costumes de um determinado local não são fenômenos recentes. Com a concepção moderna de Estado, veio a necessidade de se construir ou legitimar um discurso que identificasse as pessoas como originárias de um todo. Este sentimento de pertencimento para alcançar o maior número possível de pessoas vê na cultura a forma mais rápida e certeira de se naturalizar no imaginário popular, podendo ser passado de geração para geração e de certa forma sem mudanças muito radicais em seu conjunto. “É preciso invocar antigas tradições (reais ou inventadas) como fundamento “natural” da identidade nacional que está sendo criada.” (OLIVEN,1992, p.15).
Desta maneira, o regionalismo surge como uma resistência aos processos homogeneizadores, cada vez mais crescentes no mundo da globalização. Além de fronteiras geográficas, as fronteiras culturais de afirmação perante o “outro” tornam-se necessárias.

Segundo Bordieu (1980), citado por Oliven (1992,p. 19),

"O regionalismo (como o nacionalismo) não passa de um caso particular de lutas propriamente simbólicas em que os agentes estão engajados seja individualmente e de forma dispersa, seja coletivamente e de forma organizada, e que tem como objetivo a conservação ou a transformação das relações de forças simbólicas e dos lucros correlatos, tanto econômicos como simbólicos; ou, se se prefere, a conservação ou a transformação das leis de formação dos preços materiais ou simbólicos ligados às manifestações simbólicas (objetivas ou intencionais) da identidade social. "



Neste sentido, a necessidade de conservar ou transformar as “relações de força simbólica” está intimamente ligada à construção social da memória. Por essa razão o regionalismo nada é, sem a memória. Por mais que se tenha interesses políticos e econômicos por trás de um regionalismo, as pessoas devem-se sentir pertencentes à este discurso.Caso contrário pouco se faz. “Uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos sociais.”(OLIVEN,1992, p.21). É notório que essa busca pelo passado se manifesta, na maioria das vezes em períodos de mudanças sociais, crises, etc. O folclore é responsável pelos estudos das tradições e é o principal à dar alguma significação, substância à comunidade.
Este folclore se apresenta como algo popular, cabendo aos intelectuais montarem, sistematizarem e darem algum sentido a essas narrativas e representações. É por este grupo detentor da memória, portanto manipulador das tradições e rituais necessários, que será idealizada a Epopéia Farroupilha e se auto-proclamação “guardiães da memória”, principalmente no Movimento Tradicionalista Gaúcho.
A busca desta “gênese gaúcha”, fez da Revolução Farroupilha o símbolo máximo, a coluna vertebral onde toda a ideologia gaúcha irá se apoiar. Não devemos, nem temos como negar que de fato a revolta de 1835 aconteceu. Mas toda a mítica construída a partir do acontecimento é legítima? De que forma e quais os grupos responsáveis por esta representação que perdura até os dias hoje?São questões que merecem ser discutidas.

Ao adquirir vida própria, a ideologia sobrevive à própria formação social que lhe deu origem e passa uma nova etapa histórica exercendo nova função, expressando novas relações sociais, embora mantendo as vestes e a música com que cantava a formação social anterior. (VARES, p.139, 1992.)

O “CENTAURO DOS PAMPAS”

Para entendermos o mito Farroupilha, torna-se necessário saber à qual passado e quais são as características deste passado com que “vestimos” os principais personagens da revolta de 1835. Características como a “bravura”, a “democracia rural”, “coragem” e “heroísmo” fizeram do gaúcho um exemplo digno a ser seguido por outros povos. Grande parte da intelectualidade gaúcha de fins do século XIX e início do XX defenderá e justificará essas características, dando uma fundamentação “científica” ao discurso.

Segundo Pinto da Silva, citado por Gutfreind (1992, p.149),

"Filhos de soldados e de aventureiro, que em sua maioria eram esmagados pelas guerras,os primeiros gaúchos, criados ao acaso, entre privações e torturas, mereciam bem, por certo, a denominação pejorativa de “guachos”. Dessa origem, humilde e rude, foi se erguendo, aos poucos, o gaúcho, a golpes reiterados de heroísmo, resgatando ,dia a dia, pelo sofrimento e pela bravura, as faltas dos antepassados e constituindo-se, por último, em tronco de grande e valora estirpe. "


Com um discurso deste quem não tem orgulho de ser gaúcho?Vale lembrar que este gaúcho herói é o brasileiro, tratado ao longo da historiografia rio-grandense, de ser separado e avesso à idealização do gaúcho platino que tinha a fama de viver sem leis, roubando gado pelo Pampa a fora.
A função inicial da Província de São Pedro também foi fator essencial para a formação da figura idealizada de gaúcho. Cenário de muitas batalhas entre as Coroas Ibéricas, castelhanos e índios e a forte presença militar, bem como a condição de fronteira, muralha responsável pela conservação do território português mais ao sul do continente sul-americano nos dá a sensação de que nascemos para a guerra. Pelo nosso histórico sangrento, muitos consideram o gaúcho como um soldado espartano de bombacha. Tamanha a nossa coragem e prontidão para a peleja construiu-se a virilidade do homem gaúcho, o machismo. Vale lembrar a análise de Érico Verissimo: “uma colonização de escassas mulheres, de guerreiros sempre necessitados de defender seu rabo e, quando fosse o caso, também seu rabo de saia de qualquer olhar mais desesperadamente guloso.” (GUEDES, 1992, p.17).
Cabe aqui lembrar que o estereótipo apresentado a cima corresponde ao gaúcho da campanha, de preferência com sangue lusitano nas veias e que vivia livre no campo. O discurso quanto ao tipo de gaúcho que somos, presente na historiografia tradicional encontrou mecanismos para diminuir, na formação deste personagem, a participação do sangue indígena e negro. Cabendo aos dois serem classificados como sub-culturas. Além desses dois grupos, o gauchismo pouco ou quase nada se refere às regiões de colonização européia a exemplo dos alemães e italianos. Esquece-se da mesma forma os “Gaúchos a pé” que vivem nos grandes centros urbanos do Rio Grande do Sul. Baseado nesta historiografia e literatura romântica, nos primeiros grupos que buscavam a manutenção da cultura sulina que surgiram no século XIX como o “Partenon Literário”, o Movimento Tradicionalista Gaúcho se mostrará como o principal mantenedor e multiplicador desse ideário.
REVOLUÇÃO: DE QUEM PARA QUEM?

Debates sobre a Revolução Farroupilha é o que não falta. Questões como a ideologia Separatista X Federalista e principais motivos que causaram o conflito são alvos de muitas discussões. Conhecido também é o caráter elitista que possuiu a revolta Farrapa. Foi uma luta entre classes dirigentes, fazendo com que parte da população viesse a reboque dos interesses dos charqueadores. Em suma, não foi uma revolta do povo e para o povo. Apesar de toda essa discussão, porque sentimos arrepios ao escutar o Hino do Rio Grande do Sul ou procuramos a melhor “pilcha” para comemorar o 20 de Setembro participando de um desfile na avenida central da cidade?Por que comemorar uma guerra que perdemos, não foi feita pelo o povo e mesmo assim tomamos esta narrativa como nossa? Oliven (1992, p. 21) explica que:

"Uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos sociais. Para isso, é necessário que um discurso ao interpelar sujeitos veicule uma mensagem verossímil, pois “para que uma ideologia se realize como tal, ‘capture’ os sujeitos, provoque adesão, é preciso que as significações produzidas pelo seu discurso encontrem eco no imaginário dos indivíduos as quais se dirige, isto é, é preciso que se dê uma certa adequação entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos. "


A ideologia em torno do gaúcho e da Revolução Farroupilha torna-se bem sucedida, porque o discurso que dominadores deste buscam de certa forma acaba sendo legitimado pelo fato da Revolução realmente ter ocorrido. Só é possível, porque se conseguiu buscar no imaginário popular o mito fundante e o um reconhecimento/ identificação nesta idealização.
Maior ainda essa legitimação quando há a personificação do imaginado. Assim, forma-se o “Panteão Farroupilha” com seus bravos e valentes líderes, exemplos da coragem gaúcha e que todos devem seguir seus exemplos e ideais. “Sirvam nossas façanhas de modelo à toda terra.”
O fenômeno do regionalismo faz com que em épocas de crise, mudanças políticas e sociais esta mitologia venha à tona para combater as forças externas. Pesavento (1992, p. 21) afirma que “para combater o fantasma da incômoda performance ‘deles”, ‘nós’ nos utilizávamos da nossa ilusão referencial.”


TRADICIONALISTAS X NATIVISTAS: O ENTREVERO


Sem dúvida alguma pode-se afirmar que o Movimento Tradicionalista Gaúcho, iniciado com o “35” no Colégio Júlio de Castilhos em Porto Alegre, no ano de 1948 é o grande manipulador deste imaginário gaúcho. Órgão máximo dos grupos ligados ao folclore gaúcho, o MTG tem por finalidade administrar, orientar e normatizar toda a atividade cultural ligada ao tradicionalismo.
Dentro deste movimento há uma disputa pelo poder simbólico do imaginário gauchesco. De um lado temos os tradicionalistas, ala mais ortodoxa que vê no tradicionalismo procura a preservação das tradições.Para os folcloristas isto quer dizer que a manutenção da tradição deve permanecer imutável, frente às constantes mudanças sociais. O papel do Tradicionalista é preservar a cultura.


"Os tradicionalistas estão constantemente preocupados em demarcar fronteiras, separando o puro do impuro. (...)Toda essa preocupação se traduz na busca de normas e na elaboração de documentos que procuram traçar diretrizes." (OLIVEN, 1992, p. 78).


No outro lado da “trincheira” temos o time dos nativistas, pertencente à terceira geração do Movimento Tradicionalista, não negam a essência tradicionalista. Porém são progressistas, aceitando mudança; uma modernização da cultura gaúcha.
O que se torna mais importante em ser analisado nesta luta é a briga pelo ”mercado de bens simbólicos gaúchos” com o aumento da popularidade no que diz respeito ao folclore do Rio Grande do Sul. Cada vez mais a mídia é a principal impulsionadora desta cultura, manifestada através de CD’s, programas de rádio e televisão; promoções durante a Semana Farroupilha; rodeios e festivais de canção. Fazendo com que até a pessoa mais revoltada com essas questões debatidas acima, em um momento de descontração se vê tomando um chimarrão na praça com amigos.
Termino aqui sem muitas respostas, nem tive a pretensão de estabelecer modelos. Apenas analisar. Enquanto isto continuaremos com a velha máxima Sheakesperiana : “Ser ou não ser?Eis a questão.”




REFERÊNCIAS

GONZAGA, Sergius (Org.). Nós, os gaúchos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1992.

LOPEZ, Luiz Roberto. Revolução Farroupilha: a revisão dos mistos gaúchos. Porto Alegre: Ed. Movimento, 1992.

LOVE, Joseph L. O Regionalismo gaúcho. São Paulo: Ed. Perspectiva S.A, 1975.

MARX. Irton. Vai nascer um novo país: A República do Pampa. Santa Cruz do Sul: Ed.Excelsior,1990.

OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: A diversidade cultural no Brasil-nação. Petrópolis: Vozes, 1992.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Louis le Grand - parte III

Sua Santidade: Luís, o Grande

No início desta resenha, dei rápidas pinceladas quanto ao status de santidade que pairava sobre Luís XIV. Vamos aprofundar neste tópico essa relação entre o rei e a mitificação de sua imagem com os súditos.

Um dos gestos mais “milagrosos” relatados por contemporâneos do Rei Sol é o chamado “toque real”. Acreditava-se que o rei, como o representante de Deus na terra, tinha o poder de com apenas um toque curar as pessoas enfermas. Durante todos os anos em que Luís se manteve no poder, centenas de pessoas iam atrás de seu soberano para terem a graça da cura concedida.

Na época de Versailles, temos o acentuado uso de ritual para o cotidiano. Onde o levantar e o acordar transformaram-se em cerimônias, digamos “cheias de frescuras”. Quando a mesa estava posta, mesmo na ausência do rei, quem entrasse deveria tirar o chapéu em reverência. Era uma grande honra poder acompanhar e auxiliar o ilustre monarca em seus momentos íntimos, como idas ao banheiro. Não se pode, no entanto, ridicularizar estas formas de reverência. É nosso dever analisar quão grande é o impacto e a credibilidade que conseguiu se construir de um líder. E também o poder de persuadir em um governo absolutista que vê a publicidade sua maior arma.

Após a morte de Lavois, o regime de Luís começa a entrar em profundo declínio e o reino da publicidade começa a mostrar falhas. Campanhas militares mal sucedidas, derrotas constantes no plano internacional faz com que o Rei Sol aos poucos se apague até o final de seu reinado em 1715.

“L’État c’est moi?”

A frase atribuída à Luís retrata o pensamento de um monarca, de certa forma egocentrista .Mas isso é de fato algo legítimo? O Rei Sol com certeza foi um líder “popular” e vaidoso com sua imagem, sendo que isto não o faz propriamente ser o Estado. Seu poder foi absoluto durante 72, mas mesmo assim não podemos fazer dele o único dono do reino da França. Havia um Estado antes e o mesmo continuou após a sua morte. Luís foi filho de seu tempo, soube jogar com as armas certas e com as pessoas certas.

“(...) representar o Estado não é o mesmo que ser identificado com ele. Bossuet lembrou ao rei que ele morreria, ao passo que seu Estado deveria ser imortal,e, ao que se conta, Luís falou em seu leito de morte: “Vou partir, mas o Estado permanecerá depois de mim”. Não se deve tomar o famoso epigrama demasiado literalemente.” (BURKER,pg.21)

Outros governantes se promoveram, no entanto não tornaram-se o Estado. Talvez, opinião minha no caso, ele investiu pesado no marketing pessoal e muitas vezes nos passa a falsa impressão que Luís XIV é a França e vice-versa.


REFERÊNCIA

BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: J. Zahar, c1994.

Louis le Grand - parte II

Patrocínio Real: faça jus ao teu pagamento!

Desde muito cedo construiu-se o mito de que o Rei era divino,onisciente. O representante direto de Deus na Terra. Ao contrário do que se pensa na maioria das vezes, a imagem do Estado personificada no monarca não é característica apenas da fase mais absolutista de seu governo. Ao assumir o governo com 4 anos de idade, mesmo sendo uma criança que mal sabia falar, já lhe era considerado o verdadeiro líder das vitórias do reino francês. Atribuía-se a ele o sucesso de campanhas militares, sendo ele o líder do exército que massacrara seus inimigos. Um marcante exemplo desta situação foi com a chamada Fronda (1648-1653) sendo uma revolta por parte do Parlamento, aristocracia e movimentos populares que se levantaram contra o governo, até então sob regência de Mazarin reivindicando melhorias econômicas e sociais. Na maior parte da revolta, Luís manteve-se afastado do poder porque ainda não completara a idade adequada para assumir sozinho a Coroa. Mas a vitória final e a derrota da Fronda foram consideradas “conquista do Rei”. Deste conflito e de outros futuros, originaram-se estátuas, quadros e medalhas tendo o rei como único e exclusivo detentor dessa história.

Com a morte do Cardeal em 1661, assume como auxiliar do Rei, Jean-Baptiste Colbert que será o responsável pelo crescimento e fortalecimento da figura real. Este período é considerado o passo decisivo para a auto-afirmação da imagem de Luís perante seu povo. É neste período que o governo incentiva a criação de academias de arte, centros científicos e de experimentos tecnológicos. Estrategicamente, Luís patrocina com grande entusiasmo essas academias incentivando-as para que construam da melhor maneira possível sua imagem,

(...)”quando podemos observar a ‘organização da cultura’ no sentido da construção de um sistema de organismos oficiais que mobilizavam artistas plásticos,escritores e eruditos a serviço do rei.” (BURKE, pg.62)

Logicamente este apoio vindo do rei, não era sem segundas intenções. Por trás das volumosas pensões dadas aos artistas contratados – tanto franceses como estrangeiros- havia uma subjetividade do trabalho a ser realizado pelos contratados.

Além da fundação de academias, tornou-se comum a criação de pequenas academias. Em especial a chamada “Petite Academie”, composta pelos principais dirigentes do governo. “Sua missão era essencialmente supervisionar a criação da imagem pública do rei”(pag.70). Uma espécie de órgão fiscalizador, que fiscalizava desde os textos a serem publicados, aos detalhes de moedas e quadros a serem feitos.

De Júpiter à Cristo: as mil faces do Rei.

Não era novidade naquela época o uso de alegorias para a representação de acontecimentos e glórias de um reino. Mas no caso do Rei Sol, chama muita atenção a constante preocupação para que isso acontecesse. Fazer o Rei parecer um deus grego, ou um grande personagem era de grande importância. Tornou-se uma política governamental de primeiro escalão.

“(...) devendo com freqüência ser entendidas como referências indiretas ao presente (e os espectadores do século XVII eram treinados para isso). Quando Luís pediu a Charles Lebrun que pintasse cenas da vida de Alexandre Magno, estava não só expressando sua admiração por Alexandre como se identificando com ele. Esperava-se que também os súditos fizessem essa identificação.” (BURKE,pg.43)

O rei também foi comparado em pinturas e obras literária com Clóvis, Hércules; Júpiter e Imperadores Romanos. Tamanho era a intensidade dessas alegorias, que Pierre Paul Servin retratou Luís como O Bom Pastor em uma pintura, referindo-se à imagem de Jesus Cristo.

Inúmeros retratos de Louis mostram o rei informal, até mesmo jogando bilhar. Mas ainda a maioria das pinturas eram do chamado “retrato solene”, onde “a pessoa é geralmente apresentada em tamanho natural ou até maior, de pé ou sentada num trono. Os olhos retratados estão acima dos olhos do espectador, para sublinhar sua posição superior”.(BURKE,pg.31). Curiosamente os artistas do rei vieram na contra-mão da tradição de sempre retratar os soberanos com a mesma aparência com que iniciou seu governo. Não eram retratos fiéis, mas observando as obras ao longo dos 72 anos em que Luís esteve no poder, podemos observar uma mudança na aparência com o passar dos anos. Exemplo mais digno desta situação é o retrato solene da autoria de Rigaud, onde se mostrou “fiel ao modelo até os olhos cansados e a boca encovada após a extração de dentes da arcada superior em 1685” (BURKE,pg.46).

Um acessório característico deste reinado foi a confecção de inúmeras moedas e medalhas para se comemorar os “feitos do rei”. A confecção dessas moedas aumentou no período mais bélico do reinado. Conflitos entre França e demais países do velho mundo foram um prato cheio para este meio. As guerras contra os espanhóis pela tomada dos Países Baixos, assim como na Guerra Holandesa fizeram com que vários tipos de “atos heróicos” fossem cunhados, assim como frases grandiosas em homenagem ao rei.

Neste período de guerras, Peter Burke ressalta um acontecimento em especial e a repercussão que este deu em meio às artes e do público em geral, que é a famosa Travessia do Reno. O jornal Gazette narra como “um feito que nem mesmo César igualara, pois que ele usara uma ponte, ao passo que Luís, mais capaz que os césares de resolver todas as dificuldades, transpusera os obstáculos à sua passagem sem esse tipo de ajuda mecânica”. Além de jornais, poemas narram esta proeza do Rei. Assim como o pesado uso de alegorias nas tapeçarias e quadros, que mostram Luís sendo carregado pelas figuras femininas da Vitória e da Glória, amedrontando os deuses da água.

Com a morte de Colber em 1683, assume em seu lugar Louvois que muda de certa forma a estratégia de marketing. O novo superintendente estendeu seu império sobre as artes, já que como era época de relativa paz, podia-se gastar com mais tranqüilidade as finanças. Foi neste período em que se reconstruiu o famoso Palácio de Versailles. Lavois não sem conteve apenas com quadros, livros e medalhas. Um grande fenômeno atribuído à ele é a “campanhas das estátuas” e a construção de prédios, palácios e arcos em homenagem ao rei francês. Com as guerras acima citadas, o número de territórios sobre o domínio da França era maior. Para que o poder dessas províncias continuassem na mão de Luís, incentivaram-se no interior a construção de inúmeros monumentos em homenagem à ele.

Nos oito anos em que Lavois manteve-se no governo, os gastos com a cortes em Versailles aumentaram significativamente, afirmando lá os chamados “ritos” tão famosas nos dias de hoje.